O texto original deste trabalho, em espanhol, circulou entre os alunos do curso de pós-graduação da Universidade de Piracicaba em 1981. A subtileza com o que o autor satiriza um dos problemas de nosso tempo fez com que imediatamente o texto chamasse a atenção de alunos e professores., convertendo-se em tema de conversas e debates.


A FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS

Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado é a seguinte:

Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, sempre que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque! Mas deparavam com alguns problemas, que, no entanto, foram sempre sendo resolvidos com sucessivos aperfeiçoamentos, criando-se um grande SISTEMA.

O que quero que atentem é ao que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo.

Havia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes — milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam da tarefa de assá-los. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as perdas causadas.

Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários e conferências passaram a ser realizados anualmente para encontrar uma solução. Mas parece que não acertavam na melhoria do SISTEMA. E assim, todos os anos se repetiam os congressos, seminários e conferências.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou á humidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava no lugar, no momento e na quantidade das chuvas …

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar — na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Foi montada uma grande estrutura: maquinaria diversificada, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo — incendiadores — que era também especializados: incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., nocturnos e diurnos, com especialização em matutino e vespertino, de verão, de inverno, etc. Havia especialistas também em ventos — os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada (DGAAA), um Diretor de Técnicas Ígneas (DTI, com o seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestação (AGR), uma Comissão Nacional de Formação Profissional em Porcologia (CNFPP), um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador da Reforma ígneo-operativa (BORI).

Tinha sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação, utilizando-se regiões de baixa humidade e onde os ventos não soprariam mais do que três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que depois seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.

Foram formados professores especializados na construção destas instalações. Investigadores trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos; fundações apoiavam os investigadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos, etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, pôr exemplo, aplicar triangularmente o fogo, depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores-gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc.

Não é preciso dizer que poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um baseava as suas ideias em dados e pesquisas específicos.

Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (Acendedor de Bosques especializado em Sudoeste Diurno, Matutino, com bacharelato em Verão Chuvoso), chamado JOÃo BOM-SENSO, pensou e disse que o problema era muito fácil de ser resolvido — bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor — e não as chamas — assasse a carne. Informado sobre as ideias do funcionário, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

— Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas, na prática, não funciona. O que faria o senhor, por exemplo, aos anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?

— Não sei — disse João Bom-Senso.

— E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os projectistas de instalações para porcos, com as suas novas máquinas purificadoras automáticas de ar?

— Não sei.

— E os anemotécnicos que levaram anos a especializar-se no estrangeiro, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los a limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que lhes faço, se a sua solução resolver tudo? Hein?

— Não sei — repetiu João, encabulado.

— O senhor percebe agora que a sua ideia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê, que, se tudo fosse tão simples, os nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo atrás? O senhor com certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas … sem chamas! O que espera o senhor que eu faça aos quilómetros e quilómetros de bosques já preparados, cujas árvores são tão especializadas que não dão frutos nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me.

— Não sei, não senhor.

— Diga-me, em relação aos nossos três engenheiros em Suino-Piro-Tecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor?

— Sim, parece que sim.

— Pois então?! O simples facto de possuirmos valiosos engenheiros em Suino-Piro-Tecnia indica que o nosso sistema é muito bom. O que faria eu a indivíduos tão importantes para o país?

— Não sei.

— Percebeu? O senhor tem é que trazer soluções para certos problemas específicos — pôr exemplo: como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (a nossa maior carência), como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o SISTEMA, e não transformá-lo radicalmente, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!

— Realmente … eu estou perplexo! — respondeu o João.

— Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não ande por aí a dizer que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós: devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia. Isso poderia trazer-lhe graves problemas a si e ao seu cargo. Não por mim … o senhor entende. Eu digo isto para o seu próprio bem, porque eu compreendo-o, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor bem sabe que pode apanhar outro superior menos compreensivo, não é assim?

JOÃO BOM-SENSO, coitado, não disse nem mais um “a”, sobre o assunto. Sem se despedir, meio atordoado, meio assustado, com a sensação de estar a caminhar de cabeça para baixo, saiu de fininho e nunca mais ninguém o viu. Por isso é que ainda hoje se diz, quando há reuniões de Reformas e Melhoramentos, que “FALTA O BOM-SENSO”.